quarta-feira, 29 de abril de 2020

Longe do filho há dois meses, enfermeira relata tensão no combate ao coronavírus: 'somos a família do paciente'

Os expedientes de seis horas se transformaram em plantões de 14 a 16 horas diárias. Não há fim de semana, não há feriado. A enfermeira Gabriela Cruz, 35 anos, deixou o filho de 6 anos com os pais, no interior, há dois meses, desde que começou a atuar diretamente no combate ao novo coronavírus no Hospital Giselda Trigueiro, referência para doenças infectocontagiosas, e primeira unidade a receber pacientes suspeitos para a Covid-19 no Rio Grande do Norte. Desde então, vê o menino a cada 10 ou 15 dias.

“A gente liga um para o outro, chora, mas eu digo que a mamãe está fazendo isso para proteger ele”, conta a profissional que tem 11 anos de profissão e há três é diretora de enfermagem da unidade de saúde. “A gente não tem medo de adoecer. Temos medo é de alguém da nossa família adoecer, de ficarmos nos sentindo culpados”, conta ao G1 por telefone.

Sob seu comando, são cerca de 350 técnicos de enfermagem e 50 enfermeiros trabalhando em um ritmo exaustivo. Até agora, nenhum profissional que trabalha na unidade adoeceu, mas a sobrecarga física e emocional preocupa.

“É uma sobrecarga emocional muito forte. É um trabalho exaustivo, com a tensão de fazer tudo certo para o paciente, de conseguir atender a todos, de fazer tudo certo para evitar contaminação. Se houver um óbito, temos que saber que fizemos tudo que estava ao nosso alcance. O paciente fica isolado e a gente não pode deixar ele sozinho. Ali nós somos a família dele”, conta.

A tensão se converte em euforia e motivação nas pequenas vitórias. Nesta quarta-feira (29), a comemoração era pela melhora de um jovem paciente de Covid-19, que estava em uma situação “gravíssima” e conseguiu melhora no quadro.



A nova realidade é algo jamais visto pela enfermeira, durante seus anos de exercício da profissão. Ela conta que profissionais mais antigos na unidade relatam as dificuldades durante a crise causada pela gripe H1N1, que também infectou muitas pessoas na cidade e superlotou o hospital.

Para ela, a situação mais difícil foi no início da nova pandemia, quando ainda havia menos informação sobre a doença e foi preciso enfrentar o medo até mesmo de alguns profissionais. Também foi preciso correr contra o tempo para conseguir materiais, como equipamentos de proteção individual, e para reorganizar o fluxo de trabalho. “O hospital teve que se ajustar à nova realidade, já atendendo aos pacientes, ao contrário de outros”, conta.

Tanto que, agora, ela considera que a unidade está numa situação mais “confortável” do que esperava. Ainda assim, é preciso estar atento. Um dos desafios, por exemplo, é ampliar a área exclusiva para atendimento a pacientes do coronavírus.

Até mesmo os profissionais que estão de folga têm ido ajudar no trabalho. Gabriela revela que a equipe tem sido acompanhada por psicólogos para conseguir lidar com a pressão. Apesar disso, considera que os profissionais vão conseguir vencer o desafio e que logo poderá ver o filho.

G1

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